O CLADEM/Brasil - Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher -
vem a público manifestar seu repúdio e indignação pela postura
machista, discriminatória e atentatória aos direitos humanos de meninas e
mulheres adotada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, ao
inocentar um acusado de estuprar três meninas de 12 anos de idade,
mediante o fundamento de que as crianças já “se prostituíam há tempos”,
sendo inaplicável a presunção de violência prevista pelo Código Penal.
Embora
o acórdão esteja protegido por segredo de justiça, os trechos que
foram publicizados indicam uma postura preconceituosa e discriminatória
e, portanto, inadmissível, por parte dos magistrados do Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJSP) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Segundo divulgado, o crime de estupro não teria ocorrido, com base nos
seguintes argumentos:
“Com
efeito, não se pode considerar crime fato que não tenha violado,
verdadeiramente, o bem jurídico tutelado – a liberdade sexual –, haja
vista constar dos autos que as menores já se prostituíam havia algum
tempo”, concluiu a relatora.
“A
prova trazida aos autos demonstra, fartamente, que as vítimas, à época
dos fatos, lamentavelmente, já estavam longe de serem inocentes,
ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora
imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram
configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado", afirmou o acórdão do TJSP, que manteve a sentença absolutória.
É
inadmissível que, em pleno século XXI, inquirições sobre a vida
privada e a conduta sexual das vítimas de crimes sexuais sirvam de
preconceituosas balizas para justificar crimes injustificáveis e
responsabilizar as vítimas pelas violências sofridas.
Vale
lembrar, nesse contexto, que o núcleo do tipo penal em questão
apresenta como fundamental para a configuração do crime o dissenso da
vítima em relação à prática de atos sexuais. Ou seja, pouco importa se a
vítima é solteira ou casada, tem vida sexual ativa ou não, está
envolvida com a prostituição ou qualquer outro aspecto. O que se mostra
relevante para a configuração do tipo penal é apenas o não
consentimento da vítima, caso em que não há crime e não há que se
investigar nada em relação à vida privada das vítimas.
Como
agravante, tem-se a questão de que as vítimas eram crianças à época
dos fatos, o que evidencia que estarem já inseridas na prostituição
apenas demonstra sua vulnerabilidade e reiterada violação de direitos.
Por encontrarem-se em um peculiar processo de desenvolvimento
biopsicológico, as meninas são titulares da proteção integral, com
prioridade absoluta definida pela Constituição Federal (artigo 227) e
detalhada no Estatuto da Criança e do Adolescente. A situação de
marginalização em que já se encontravam – com apenas 12 anos de idade –
deveria reforçar a necessidade de serem acolhidas e protegidas, e não
responsabilizadas mais uma vez pelas violências sofridas.
Os
trechos dos acórdãos do TJSP e do STJ, publicados em 27.03.2012,
assustam por ser o posicionamento daqueles que deveriam zelar pela
justiça e pelos direitos humanos de meninas e mulheres.
Além
disso, significam uma ofensa às normas nacionais e internacionais de
proteção aos direitos humanos, em clara afronta à Constituição Federal e
aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo
Brasil, em especial a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança e a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).
É
urgente que posicionamentos como estes sejam prontamente revertidos e
que todos os integrantes das diversas instâncias do poder judiciário
brasileiro tenham acesso a formações específicas em gênero e direitos
humanos, como determinam recomendações do Comitê CEDAW ao Brasil, para
que absurdos como estes não se perpetuem em nossa sociedade, reiterando
práticas machistas, discriminatórias e violadoras de direitos
fundamentais.
20.04.2012
Está na hora! É o momento!!
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