sábado, 24 de setembro de 2011

DCA - visão geral


DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE
A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente listam diversos direitos que devem ser alvo de proteção prioritariamente pelo Estado, pela família e pela sociedade a fim de garantir uma existência digna e o desenvolvimento pleno da criança e adolescente.
Dessa forma, é que a criança e adolescente, além dos direitos fundamentais inerentes a qualquer ser humano, têm alguns direitos que lhe são especiais pela sua própria condição de pessoa em desenvolvimento. O Estatuto da Criança e Adolescente, portanto, rompe com a doutrina da situação irregular do Código de Menores que tratava a criança e o adolescente como objetos, passando a tratá-los como sujeitos de direitos, e sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento.
Assim, o art. 4.º determina que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária. Esse artigo é quase uma reprodução literal do que está disposto na Constituição Federal do Brasil.
O Estatuto, visando garantir a efetivação desses direitos, dispõe que qualquer atentado, por omissão ou ação, aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes são punidos conforme determina a lei.

DIREITO À VIDA E DIREITO À SAÚDE.
São disciplinados pelos arts. 7.º a 14 do ECA. Assim, o direito à vida e à saúde, segundo o art. 7.º do ECA, serão efetivados através de políticas públicas que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Para garantir a efetivação dos direitos é que o ECA determina que seja assegurado a gestante o acompanhamento pré-natal no sistema único de saúde, determina ainda que se possível, preferencialmente, o médico que fez o acompanhamento no pré-natal seja o que realizará o parto e mais que o Poder Público garanta a alimentação do recém-nascido.
Verifica-se portanto que o que se busca é acabar com a mortalidade infantil ou, ao menos, reduzi-la, havendo uma preocupação clara com a saúde e vida da gestante e da criança recém nascida.
Além disso, há uma determinação do Estatuto para que os empregadores e as instituições propiciem o aleitamento materno, inclusive no caso de mães privadas de liberdade. Assim, tanto as mulheres que trabalham e também aquelas que estão presas, incluídas aqui as adultas e adolescentes, que são mães devem poder amamentar seus filhos. Como é cediço o aleitamento contribui para o desenvolvimento saudável da criança recém nascida e, portanto, não basta apenas incentivá-lo, mas é necessário que se dê meios para que a mãe possa realizá-lo.

DIREITO À ALIMENTAÇÃO.
Embora não haja um capítulo específico no Estatuto sobre tão importante direito ligado claramente a vida, pois não há vida sem alimentação, tanto a Constituição Federal como o Estatuto o elencam entre os direitos a serem protegidos, cabendo ao Estado fornecer essa alimentação se os pais ou responsáveis não tiverem condições de fazê-lo. E a preocupação com a efetivação desse direito é clara quando o Estatuto em seu § 3.º do art. 7.º dispõe que incumbe ao Poder Público propiciar alimentação à gestante e à nutriz que dele necessitem, pois é evidente que para um desenvolvimento sadio é necessária uma alimentação adequada desde a gestação.

DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE.
O direito à liberdade da criança e adolescente tem características especificas, já que são pessoas em desenvolvimento e por serem imaturas muitas vezes se encontram em situação de vulnerabilidade. Mas não é por essa condição peculiar que não tem direito à liberdade, aliás esse direito se altera conforme o desenvolvimento vai se completando. O art. 16 do ECA, esclarece que o direito à liberdade abrange o direito de locomoção, de expressão, de crença, de diversão, de participação da vida familiar, comunitária e política (nos termos da lei) e de refúgio.
O direito ao respeito, conforme art. 17 do ECA, consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente. Para tanto deve-se preservar a imagem, a identidade, a autonomia, os valores, as idéias e as crenças, os espaços e os objetos pessoais.
A criança e adolescente, conforme determina o art. 18 do ECA deve estar protegida de todo e qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório e constrangedor, garantindo assim sua dignidade.
Por isso, com base no direito ao respeito e à dignidade que há uma preocupação clara do Estatuto com o sigilo dos processos, principalmente processos de apuração de atos infracionais, além disso, há no Estatuto crimes específicos em caso de violação desses direitos, visando dessa forma impedir ou, ao menos, coibir que esses direitos sejam violados. A previsão está no art. 240 e 241 do ECA.

DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA.
Para haver a efetivação de todos os direitos fundamentais que são assegurados a criança e adolescente é necessário se garantir a convivência familiar. Instituições não são como família, pois o vínculo familiar é calcado no afeto. E é por isso, com base na importância dessa convivência familiar, que permitirá um desenvolvimento com dignidade e efetivação dos direitos humanos que, o art. 19 do ECA dispõe que “toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta”.
Buscando-se impedir arbitrariedades e garantir que a criança e adolescente se desenvolvam no seio de sua família natural que o art. 23 do ECA dispõe que a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do poder familiar. De fato, seria absurdo que um pai ou uma mãe pudessem perder ou ter suspenso o poder familiar por serem pobres. Embora tão claro e evidente não é incomum decisões judiciais nesse sentido, decisões que refletem uma visão preconceituosa que um pai ou mãe pobre não tem condições de educar “bem” uma criança ou um adolescente.

DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER.
O direito à educação, garantido no art. 53 do ECA, tem por finalidade o pleno desenvolvimento da criança e adolescente, o preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Assim, o acesso à educação surge com um fator de transformação social, visando o combate a exclusão social, permitindo que a criança e adolescente se desenvolvam e estejam preparados para exigências da vida em sociedade, tanto quanto aos seus direitos e deveres no convívio com as pessoas como no seu trabalho.
Dessa forma, o Estatuto dispõe que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo da criança e adolescente. Cabe aos pais e responsáveis a obrigação de matricular os filhos ou pupilos na escola e controlar a freqüência, cabe ao Estado oferecer o ensino obrigatório e ao estabelecimento de ensino fundamental comunicar ao Conselho Tutelar os casos de maus tratos, a reiteração de faltas injustificadas e evasão escolar e altos níveis de repetências. Assim, é evidente que há obrigação por parte da família, do Estado e também da escola para que a criança e adolescente não deixe de estudar ou abandone os estudos, para que se dê efetividade ao direito à educação que lhe é garantido.
É importante que a criança e adolescente conheça suas raízes, mais, que ela valorize essas raízes e as mantenha, pois é assim que ela manterá e desenvolverá a sua identidade com o grupo. Por isso, a preocupação do Estatuto que no art. 58 que dispõe que no processo educacional serão respeitados os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo a eles liberdade de criação e acesso as fontes da cultura.
Por fim, há a preocupação que além da educação, a criança e adolescente possa brincar e praticar esportes. O esporte e o lazer contribui para que a criança e adolescente desenvolvam outras potencialidades e desenvolvem o relacionamento social.

DIREITO À PROFISSIONALIZAÇÃO E À PROTEÇÃO AO TRABALHO.
É do trabalho que o homem obtém seu sustento. Porém, a busca por esse sustento compete a adultos, não a adolescentes ou a crianças. Por essa razão que a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e Adolescente proíbem que menores de dezesseis anos trabalhem, exceto se for para exercer suas potencialidades e os preparem para a vida adulta, o que é permitido a partir de quatorze anos quando o exercer na condição de aprendiz.
A proibição tem um fundamento muito claro permitir que a criança e o adolescente tenha tempo para estudar. O exercício de um trabalho por uma criança ou por um adolescente lhe retira o tempo que lhe é necessário não só de freqüentar as aulas, mas também de estudar o que foi passado em sala de aula e fazer as lições. Além disso, o trabalho em muitas situações acarreta danos para a saúde da criança ou adolescente, pessoas em desenvolvimento que são, e que muitas vezes não detém a força física necessária para realização de determinados trabalhos.
São vedados ao menores de 18 anos, conforme a Constituição Federal, o trabalho noturno, perigoso ou insalubre. E o Estatuto, em seu art. 67, complementa que também são vedados ao adolescente empregado ou aprendiz, o trabalho realizado em locais prejudiciais à sua formação e desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, além dos realizados em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.
Há uma preocupação da Constituição e também do Estatuto com a profissionalização da criança e adolescente que necessitam desenvolver todas as suas potencialidades e estarem preparados para a vida adulta.

A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES.

1.    MORTALIDADE INFANTIL:

A mortalidade infantil, no Brasil, não é um problema recente, talvez recente seja a preocupação e os esforços do Poder Público direcionados para diminuir seus índices assustadores, que garantem ao nosso país, segundo dados da UNICEF de 1998, 63º Lugar no mundo e o 1º Lugar na América do Sul em número de mortalidade de recém nascidos.
A maioria destes casos é determinada por fatores sócio-econômicos e de exclusão, sendo, portanto, produto de um país que bate recordes de desigualdade social e concentração de renda. No Estado do Rio Grande do Sul, segundo dados da ONU, em cada 1000 bebês, 25 morrem antes de completar 1 ano, não esqueçamos que a própria ONU considera de acordo com suas pesquisas, o RS como o "melhor Estado em qualidade de vida".
2.    TRABALHO INFANTIL:

Aqueles que vencem a avassaladora mortalidade de recém nascidos, podem vir a defrontar-se com um outro entrave ao seu desenvolvimento: o trabalho infantil. A exploração do trabalho de mão-de-obra infantil apresenta-se mais comum nos países subdesenvolvidos, principalmente no meio rural. Os países desenvolvidos e os setores modernos da economia não costumam contratar crianças, porém contratam empresários ou trabalhadores que se utilizam da força de trabalho infantil.
O posicionamento dos pais, frente ao trabalho de seus filhos, é muitas vezes de incentivo, seja pela possibilidade de capacitação profissional, socialização ou sobre tudo de complemento da renda familiar. No entanto, a criança torna-se vítima de conseqüências irreparáveis: prejuízos para o desenvolvimento educacional (o que em muitos casos reflete-se na reprodução do ciclo de miséria); lesões à saúde; aviltamento da infância (impossibilitando o convívio social, o lazer e a educação); entre outras violações de direitos fundamentais que, para todos os que são submetidos ao trabalho infantil, estes direitos existem apenas em planos teóricos.
3.     ABUSO SEXUAL:
Um outro fator desconcertante que assola nossa sociedade e que atinge diretamente a infância e a juventude é o abuso sexual. As principais vítimas são meninas, embora meninos também sejam atingidos, as quais podem ser abusadas nas ruas ou em suas próprias casas. Nas ruas podem ser exploradas comercialmente, como meras mercadorias, sofrendo uma espécie de mercantilização da sexualidade. Já em suas casas, esta violência apresenta-se como um abuso intrafamiliar, e, por isso mesmo, de difícil identificação por parte das autoridades (segundo um estudo realizado em 1994 pela Organização Pan-Americana de Saúde e a Organização Mundial de Saúde, apenas 2% dos casos de abuso sexual de criança que ocorrem dentro da família são denunciados), possibilitando a existência de um ciclo de violência.
Seja nas ruas ou no seio familiar, o abuso sexual atinge todas as classes sociais e grupos na sociedade, e, indubitavelmente, provoca danos bio-psico-sociais irreparáveis, restando à vítima carregar suas desastrosas conseqüências ao longo de toda a sua existência; um quadro aviltante, configurado não só pelos agressores diretos, mas também por aqueles que, apesar de terem conhecimento de tais fatos criminosos, se eximem da responsabilidade de registrar a denúncia às autoridades competentes, fazendo de suas omissões, importante contribuição para a impunidade e para a continuidade das atividades de abuso sexuais de crianças e adolescentes.

4.     VIOLÊNCIA:
Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. (art.V da Dec. Universal dos Direitos Humanos), porém, não obstante o belíssimo e enobrecedor dispositivo vigente em nosso Território, é deveras freqüente a violência, tanto no âmbito doméstico como no âmbito público cometido contra aqueles que são mais vulneráveis a estas agressões, seja por sua inferioridade física ou intelectual comparada com a de seus algozes. A violência, entendida aqui, abrange desde a negligência até a violência física ou sexual, ou seja, desde o descaso até a covardia doentia aplicada contra crianças.
A violência doméstica possui diversas faces. Pode apresentar-se como a negligência dos pais frente à educação, à saúde, ao respeito, ao afeto, à dignidade entre outros direitos fundamentais supra citados. Mas há outras formas de violência, as quais não se consumam pela omissão, e sim pela ação de seus responsáveis: como vimos, a violência sexual enquadra-se nessa categoria, violência, aliás, que no RS em 1998 possuía a maior incidência de casos do Brasil, 17,40% (Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e da Juventude); além, é claro, da desastrosa violência física sofrida por crianças, mas esta devemos analisar um pouco mais de perto.
A violência física cometida contra crianças não possui defensores atualmente, ao menos que a proclame em público e em voz alta, quando se trata de torturas ou agressões que provoquem deformações físicas em suas vítimas; no entanto, quando estas agressões possuem um alegado escopo "correcional", não faltam adeptos. Estas "correções" (normalmente aplicadas através de tapas, varadas, socos, etc.) espantosamente são toleradas em nossa sociedade, não obstante, os inúmeros trabalhos de pesquisas de ilustres profissionais e especialistas do mundo inteiro que não só comprovam a ineficácia de tal punição, mas também de sua nocividade para o desenvolvimento físico-psico-social da criança, argumentos suficientes para convencerem alguns países desenvolvidos a proibir qualquer tipo de violência física, mas ainda incapaz de sensibilizar uma cultura, por vezes, retrógrada e ignorante de países como o Brasil.
Mas não esqueçamos da violência do Poder Público, uma violência muito semelhante à encontrada no âmbito doméstico, porém com proporções maiores, com maior número de filhos, onde suas casas podem ser as ruas, as entidades (governamentais ou não governamentais) de atendimento a crianças e adolescentes, ou instituições de internação de menores em conflito com a lei. Portanto, seja o descaso do Estado com a salvaguarda dos Direitos Fundamentais de seus filhos, a violência cometida por funcionários da segurança pública, ou seja em casos de desrespeito à integridade física e da dignidade da pessoa encontrados em FEBEMs ou estabelecimentos congêneres em todo o nosso país, acredito que o Estado oferece-nos o exemplo de como não devemos agir com aqueles que estão sob a nossa responsabilidade, exatamente a função contrária daquela preconizada para esta República.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
De tudo que até aqui foi apresentado, pode-se constatar que este é um contexto inegavelmente inquietante a todos os que se preocupam com a construção de uma sociedade mais humana. Resta inevitavelmente uma questão: como construir uma sociedade mais humana? Não cabe a este trabalho oferecer infalíveis soluções para a reversão do atual quadro social do país, mas registre-se ao menos uma convicção (não só sobre os direitos de crianças e adolescentes, mas sobre o respeito de todos os Direitos Humanos), a de que tanto para o âmbito doméstico ou público, com esforços individuais, coletivos, legislativos, judiciários ou executivos, é imprescindível que toda ação tenha como base a educação. Pois a educação é o processo de combate a desumanização social (resultante da miséria, da barbárie, do individualismo, do consumismo, etc.), portanto, trata-se de um processo de aprendizagem ao qual, invariavelmente, devem ser submetidos todos nós.
O processo de aprendizagem ao qual nos referimos deve incluir todos os segmentos que são co-responsáveis pela garantia e proteção dos direitos das crianças e adolescentes, visando, principalmente, superar a dicotomia existente entre o fato de o Brasil possuir uma legislação avançada e progressista sobre direitos de crianças e adolescentes e uma realidade social, cultural, política e econômica que ainda desvaloriza e não prioriza esses direitos e, principalmente, ainda não trata e não vê a esses portadores de direitos e deveres como sujeitos e como protagonistas de suas histórias.
Os mecanismos de monitoramento e advocacy por políticas por o cumprimento dessa lei que já tem mais de 20 anos e que propiciou o avanço também de legislações internacionais ainda são precários, principalmente em exigir o orçamento único, o chamado orçamento criança e em exigir a prioridade dos serviços, projetos, programas e políticas voltadas para as crianças e adolescentes conforme preconiza a lei.
Esse distanciamento entre a Lei escrita e a realidade objetiva precisa ser cada dia mais diminuído para que tenhamos uma utra sociedade e cultura realmente condizente com os direitos humanos em nosso país.

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